terça-feira, 15 de setembro de 2009


Serafina
Dança de pares com formação em fileira executada por homens e mulheres. Nessa posição desenvolvem movimentos chamados "batição", que têm denominações próprias: "puçá", "mala", "lance baixo", "lance alto". Em seguida formam círculo e executam outros movimentos: "arrodeio baixo", "cacuri" e "tapagem". Retornando às fileiras, dançam ainda o "arrastão" e a "repartição". Quando nas fileiras, cada dois pares formam um grupo que executa as batições entre si. Os participantes carregam implementos que referenciam o aspecto simbólico dessa dança: remos de tamanho natural, arpões, lenços grandes atados em volta do pescoço, fitas coloridas presas à cintura, chapéus de palha. Não usam sapatos. Os remos e arpões são colocados no chão e não têm nenhuma utilidade prática; as fitas e os lenços são usados no "lance alto" e no "lance baixo", quando a dupla de pares cruza as fitas, e no "arrodeio alto" e "arrodeio baixo", figurações marcadas pelo cruzamento dos lenços de cada dupla de pares. O acompanhamento musical é executado por cavaquinho, reco-reco, violão, tambor gambá, caracaxás e maroca (tambor pequeno, recoberto com couro de cobra, sobre o qual se colocam duas linhas paralelas cheias de contas que vibram juntamente com o couro). Cada batição possui letra no estilo solo/refrão, o primeiro cantado em português, e o refrão em abanhenga (tupi amazônico). A Serafina é entendida como uma quadrilha regionalizada, sem as conotações daquela mais conhecida. Há um marcador que dirige o grupo anunciando alto o nome da batição que se seguirá. Ocorre no Amazonas durante as festas juninas.

Dança Serafina

Ouve Brasil esta história
Dos tempos que o negro sofria,
Nas garras da escravidão.

Dança, dança Serafina,
Dança negra desgraçada,
E o senhor dava risada
E a negra de-lhe dançar

Dança, dança quati preta,
Olha o reio Serafina,
E pobre escrava franzina
Rodopiava sem cessar.

Dança, dança Serafina.
Dança negra desgraçada,
E o senhor de-lhe risada
E a negra de-lhe dançar.

Era costume a noitinha
Sentado para descanso
Na cadeira de balanço
Sobre a fresca da varando
O senhor chamava a negra,
E austero mandava: dança!
E a pobre escrava criança,
Dava inicio na varanda.

E o senhor se divertia,
E ria com fúria insana
Ao ver a fantoche humana
Espetáculo singular,
Gingar o corpo, girar.
Fazer requebros, micagens.
Mil e uma bobagens,
Pra ver o senhor se alegrar.

Dança, dança Serafina.
Dança negra desgraçada,
E o senhor de-lhe risada
E a negra de-lhe dançar.

E gritava desvairado
Mandando a negra dançar,
Dança, dança Serafina,
Rodopiando a menina
E o pai baixinho chorava.

E uma noite,
Quando a lua sumiu
Por detrás do arvoredo,
Um vulto escuro em segredo
Saiu da escura senzala,
Tinha na mão um punhal
Feito de ponta de lança
E levava uma criança
Enroladita no pala.

Penetrou no silencio
Do arvoredo adormecido,
Passo firme, decidido.
Rumo ao fundo da horta
E suspirava baixinho
Com a voz entre cortada,
Ao ver-te assim desonrada
Eu prefiro ver-te morta.

Ao pé do grande carvalho
Depôs a carga com jeito,
Como quem faz um leito
Pra um anjo que vai dormir,
Arranjou ramos macios
Sobre as dobras da raiz,
E suspirando feliz
Chegou até a sorrir.

E volvendo seu olhar
Para a filha estremecida,
Uma lagrima sentida
Deixou rolar pelo rosto,
É duro mais é preciso
Repetiu com voz cortada,
És muito mais desgraça
Sofrendo tanto desgosto.

Neste momento o pensamento
Do pobre escravo Felício,
Relembrou odiando o vicio
Do seu malvado senhor,
E dentro da noite calma
Aos ouvidos do escravo,
Recuava o brado de agravo
Que ouvia com pavor.

Dança, dança Serafina.
E aquela orienta risada
E sua filha a dançar.

Dança, dança Serafina.
E o escravo estremeceu,
Pegou a faca e ergueu
Com fúria doida, ferina.
E baixando o braço rude,
Perdendo a luz da razão
Enterrou no coração
Da Negrinha Serafina.